Consultor jurídico da CNTQ alerta que lei sancionada por Temer não autoriza tercerização em atividade-fim
O NOVO TEXTO DA LEI Nº 6.019/74 (APROVADO PELA
LEI 13.429/2017) NÃO AUTORIZA A TERCEIRIZAÇÃO EM
ATIVIDADE-FIM
*César Augusto de Mello
Se pudéssemos resumir em apenas uma frase o que
aconteceu nos últimos dias poderíamos escolher qualquer uma dessas,
que cairia muito bem: “Vitória de Pirro”, “Quem tem pressa come cru” ou
ainda “A pressa é inimiga da perfeição”. Me refiro ao super célere
processo de aprovação e sanção da Lei nº 13.429, de 31 de março de
2017, que alterou o texto da Lei nº 6.019/74, dispondo sobre o trabalho
temporário.

Vitória de pirro, porque a aprovação desta lei objetivou
possibilitar a terceirização de mão de obra em atividades-fim, entretanto,
os que assim pretendiam, apesar das aparências, não lograram êxito, e
para estes as consequências políticas poderão ser nefastas e irreversíveis.
Acho até que os princípios que fundamentam o nosso estado democrático
de direito, previstos do art. 1º da Constituição Federal, acabaram,
conscientemente ou não, sendo observados, quais sejam: a dignidade da
pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Deveras, ninguém em sã consciência pode virar as
costas para as inovações tecnológicas que vislumbramos nos últimos trinta
anos e que demandam novos mecanismos de contratação, entretanto,
também não se pode, em nome da modernidade desconsiderar os direitos
básicos dos nossos trabalhadores, eis que foi uma escolha da sociedade
brasileira na assembleia nacional constituinte instalada no Congresso
Nacional em 1º de fevereiro de 1987 e encerrada em 22 de setembro de
1988, que inseriu nos arts. 7º e 8º da Carta Maior, direitos endereçados
aos trabalhadores brasileiros.
De todo modo, recentemente, pudemos verificar na
imprensa em geral, facebook, whatsApp e twitter, diversas manifestações
das mais variadas nuanças, sendo que quase a totalidade delas informam
que a Lei nº 13.429/2017 (ex – PL 4302/98) veio possibilitar a terceirização
de toda e qualquer atividade, inclusive da denominada “atividade-fim”
(considerada aquela essencial ao alcance do objeto social da tomadora de
serviços), sob a qual, até então, era vedada a possibilidade de
terceirização nos termos da jurisprudência consolidada do TST.
Todavia, eu, modestamente e com a devida vênia,
após ter lido detidamente o texto legal sancionado, ouso discordar deste
posicionamento e entendo que, diversamente do que vem sendo dito, a
aludida norma não autoriza a terceirização de toda atividade. É
importante ressaltar que minha análise sobre o assunto não representa
posicionamento da Comissão de Direito Sindical da Ordem dos Advogados
do Brasil, que ainda debaterá a lei recentemente sancionada
Nota-se, inicialmente, que a lei em questão não trata
apenas da terceirização, pois além de dispor sobre as “relações de
trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros”, aborda
também a regulamentação do trabalho temporário nas empresas urbanas.
Ou seja, a lei disciplina duas modalidades de
prestação de serviços no âmbito do direito do trabalho, quais sejam: o
trabalho temporário, o qual é restrito a substituição transitória de pessoal
ou em razão de demanda complementar; bem como a prestação de
serviços por meio de trabalhadores terceirizados.
Nesse contexto, basta fazer uma leitura atenta da lei
para verificar que não é feita nenhuma referência à possibilidade de
terceirização da atividade-fim! Na verdade, o que se permite é
exclusivamente a contratação de trabalhador temporário para o
desenvolvimento da atividade-fim das empresas tomadoras de serviços.
Veja-se que a lei foi clara ao prescrever, no parágrafo
3º de seu artigo 9º, que “o contrato de trabalho temporário pode versar
sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem
executadas na empresa tomadora de serviços”. Contudo, a legislação não
fez o mesmo ao disciplinar a prestação de serviços terceirizados e
manteve-se omissa a respeito de sua viabilidade na atividade-fim.
De todo modo, é certo que o legislador reconheceu e
incorporou à lei as expressões “atividade-meio” e “atividade-fim” quando
as empregou na regulamentação do trabalho temporário, então poderia
perfeitamente utilizá-los novamente no momento em que disciplinou a
terceirização, embora não o tenha feito.
Houve silêncio e omissão do legislador quanto à
possibilidade de prestação de serviços terceirizados em atividades-fim, um
silêncio facundo que desautoriza esse tipo de contratação, um silêncio de
“quem se cala mas não consente”, pois se a pretendesse o legislador teria
repetido a possibilidade para as duas situações.
Jamais poderíamos falar em autorização tácita ou
fazermos uma interpretação extensiva da norma para aplicarmos a todo
empregado terceirizado o regime adotado na contratação do trabalhador
temporário. Tampouco poderíamos fazer uma aplicação analógica da
contratação de trabalhadores temporários em atividade-fim para permitir
a contratação de terceirizados no mesmo tipo de atividade, pois se tratam
de institutos completamente distintos e, se a legislação quisesse alterar o
entendimento sumulado pelo TST para permitir a terceirização na
atividade-fim, deveria ter sido expressa nesse sentido.
Aliás, é princípio de hermenêutica que a lei não
possui palavras inúteis, de modo que só é adequada a interpretação que
encontrar um significado útil e efetivo para cada expressão contida na
norma. Assim, ao verificarmos que o legislador expressamente
determinou que o contrato de trabalho temporário pode versar sobre
desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim, devemos
considerar que somente nessa condição temporária a Lei permitiu a
contratação de trabalho em atividades-fim. Se não fosse assim, reitera-se,
o legislador teria mencionado expressamente essa possibilidade quando
tratou da prestação de serviços propriamente dita, no art. 5º-A.
Tanto é verdade que, por exemplo, com relação à
responsabilidade da tomadora de serviços, a lei fez questão de prever a
responsabilização subsidiária da tomadora de serviços tanto na hipótese
do contrato temporário, quanto na terceirização (art. 10, § 7º e art. 5º-A
§ 5º, respectivamente).
Além disso, faz sentido que a legislação tenha
disciplinado o trabalho temporário e a terceirização propriamente dita, de
maneiras distintas. Isso porque, se mostra plenamente possível a
permissão da contratação de trabalhador temporário para suprir a
necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou a
demanda complementar de serviços mesmo que na atividade-fim, uma
vez que se tratam de ocasiões pontuais e de caráter transitório que
afetam o tomador de serviços. Por outro lado, mantém-se inviável que
uma empresa se desenvolva sem possuir nenhum empregado
diretamente subordinado trabalhando em suas atividades principais e sem
caráter transitório.
A pretensão daqueles que almejam a terceirização de
atividades-fim torna-se clara, é sim precarizar direitos, pois ninguém se
oporia à terceirização em qualquer atividade que seja, se fossem
respeitadas as conquistas históricas de várias categorias de trabalhadores.
O trabalhador ao ser terceirizado na atividade fim deixaria de pertencer à
categoria profissional predominante e passaria a ser representado por
entidade sindical de pequeno poder negocial (Sindicatos dos
Trabalhadores nas Empresas Prestadoras de Serviços), com redução de
piso salarial e demais direitos arduamente conquistados nas negociações
sindicais e previstos nas normas coletivas de trabalho das mais variadas
categorias profissionais.
Em médio prazo poderíamos ter somente uma
categoria econômica (Empresas prestadoras de serviços) e outra
profissional (trabalhadores em empresas prestadoras de serviços). Seria a
possibilidade de existir empresas sem empregados, seria a desconstrução
da relação jurídica empregado/empregador como temos hoje e o
desmoronamento da estrutura sindical, com evidentes e irreversíveis
prejuízos aos trabalhadores organizados em sindicatos. O próximo passo
diante de um quadro desses, certamente seria a investida para pôr fim a
Justiça do Trabalho.
Portanto, obviamente respeitadas as considerações
contrárias, estou convencido que a Lei 6.019/74, mesmo com suas
alterações, não conseguiu acabar com esse vazio normativo, pois o
Projeto de Lei que tem como objeto regular a terceirização é o PLC
30/2015, que tramita no Senado. Subsiste ainda a intepretação do TST
quanto ao previsto na Súmula 331, ressaltando-se que o Recurso
Extraordinário nº 958.252 (STF) que decidirá sobre a constitucionalidade
da mencionada Súmula terá agora que considerar o texto legal que
menciona as atividades-meio e fim e acabou por autorizar expressamente
o trabalho temporário tão somente nessa atividade.
São Paulo, 03 de abril de 2017.
*Cesar Augusto de Mello – Consultor Jurídico de entidades sindicais e
Presidente da Comissão Especial de Direito Sindical da OABSP.